Uma pesquisa inédita da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade de Bath, no Reino Unido, revelou que um terço dos diagnósticos de transtornos mentais em adolescentes está associado a traumas na infância. O estudo, publicado em fevereiro na renomada revista The Lancet Global Health, analisou dados de mais de 4.200 jovens da Coorte de Nascimentos de Pelotas de 2004, uma pesquisa que acompanha um grande grupo de pessoas desde o nascimento, na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
A pesquisa focou na análise dos diagnósticos psiquiátricos, como ansiedade, transtornos de conduta, alterações de humor e déficit de atenção, aos 15 e 18 anos de idade. Além disso, foi considerado o impacto do trauma acumulado ao longo da infância, avaliado por meio dos relatos dos cuidadores e dos próprios adolescentes. De acordo com os resultados, 81,2% dos participantes haviam vivenciado algum tipo de trauma até os 18 anos. E, alarmantemente, esses eventos traumáticos foram responsáveis por 30,6% dos transtornos psiquiátricos identificados.
Riscos e impactos dos traumas
O estudo traz à tona uma realidade preocupante: a exposição a traumas na infância pode afetar negativamente a saúde mental dos adolescentes. De acordo com a pediatra Alicia Matijasevich, uma das autoras do estudo, a adolescência é uma fase crítica para o desenvolvimento emocional e psicológico, e é nesse período que muitos transtornos psiquiátricos surgem ou se agravam. Ela destaca que, em países de baixa e média renda, a prevalência de traumas é ainda maior, e os serviços de saúde mental são escassos, o que agrava a situação.
Eventos como acidentes graves, incêndios, desastres naturais, abusos físicos ou sexuais, violência doméstica e morte de pais estão entre os traumas mais comuns entre os jovens da pesquisa. A exposição precoce a tais situações pode alterar o funcionamento de áreas do cérebro relacionadas à regulação do humor, memória e controle dos impulsos.
A visão dos especialistas
O psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, enfatiza que a adolescência é uma fase crucial, e que os efeitos dos traumas podem ter consequências duradouras. “Exposição precoce a traumas pode aumentar significativamente o risco de transtornos mentais durante a vida. Por isso, a identificação precoce é fundamental”, alerta.
Os transtornos mais comuns identificados na pesquisa foram de conduta e oposição, ansiedade e alterações de humor, com grande impacto na vida escolar e social dos jovens.
Prevenção e estratégias de intervenção
Alicia Matijasevich destaca que a identificação precoce dos sinais de sofrimento emocional é fundamental para prevenir e tratar os transtornos mentais. Estratégias de prevenção, como intervenções psicológicas, são essenciais para ajudar os jovens a lidarem com os traumas e a reduzir o impacto psicológico a longo prazo. Além disso, é crucial que os profissionais de saúde, pais e educadores fiquem atentos a sinais de alerta, como alterações de comportamento, humor, rendimento escolar e dificuldades sociais.
Para o psiquiatra Elton Kanomata, a pesquisa sublinha a importância de políticas públicas de saúde mental que promovam a prevenção, diagnóstico precoce e tratamento eficaz. “A abordagem preventiva é essencial para garantir o bem-estar dos jovens e evitar o adoecimento psicológico”, afirma.
A pesquisa também levanta a necessidade de mais investimentos em saúde mental, especialmente em países de baixa e média renda, onde o acesso a cuidados psicológicos é mais limitado.