Uma pesquisa divulgada nesta quarta-feira (7) mostra que milhões de brasileiros estão sendo filmados, identificados e vigiados por câmeras com reconhecimento facial — muitas vezes sem saber. Essas câmeras de reconhecimento facial são usadas principalmente por órgãos públicos de segurança, como a polícia.
O relatório, chamado Mapeando a Vigilância Biométrica, foi feito pela Defensoria Pública da União (DPU) junto com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), ligado a uma universidade do Rio de Janeiro.
Segundo o estudo, existem hoje no Brasil pelo menos 376 projetos usando essa tecnologia. Juntos, eles podem vigiar cerca de 83 milhões de pessoas, o que representa quase 40% da população. Para isso, já foram gastos pelo menos R$ 160 milhões em dinheiro público.
A tecnologia começou a se espalhar no país a partir da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. A ideia era ajudar a polícia a encontrar criminosos e pessoas desaparecidas. Mas os especialistas alertam que o uso dessas câmeras cresceu rápido demais, sem regras claras, nem fiscalização adequada.
Um dos casos mais conhecidos de erro aconteceu em 2024, quando o personal trainer João Antônio Trindade Bastos, de 23 anos, foi confundido com um foragido durante um jogo de futebol em Aracaju (SE). Ele foi retirado à força do estádio e só foi liberado depois de provar sua identidade. João é negro — e isso não é coincidência, segundo o relatório.
O estudo mostra que a maioria dos erros acontece com pessoas negras, indígenas e asiáticas. Em muitos casos, as câmeras “confundem” esses rostos com os de suspeitos procurados. Em mais da metade das vezes, a polícia abordou a pessoa errada com base nessas imagens.
Os pesquisadores também alertam que o Brasil ainda não tem uma lei específica para controlar o uso dessas câmeras. Um projeto de lei sobre o assunto foi aprovado no Senado, mas ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados. Mesmo assim, o texto permite tantas exceções que, na prática, abre caminho para que a vigilância continue sem muitos limites.
Entre as recomendações dos especialistas estão:
- Criar uma lei nacional para regras claras;
- Fazer auditorias e revisões periódicas;
- Dar mais transparência sobre como os dados são usados;
- Exigir autorização da Justiça para usar as imagens;
- Limitar o tempo que os dados são guardados;
- Treinar melhor os agentes públicos.
“A tecnologia pode ajudar, mas do jeito que está sendo usada, traz riscos de injustiças, abusos e discriminação”, disse Pablo Nunes, coordenador do CESeC.